XV Concurso Regional de Contos, Crônicas e Poesias "Oscar Bertholdo"

Promovido pela Prefeitura de Farroupilha e Biblioteca Pública Municipal Olavo Bilac, de Farroupilha
2º Lugar na Categoria 4, com a crônica MOZART E EU - Albino César Moraes da Rosa

"Sento em frente ao computador para escrever, como faço frequentemente. A página está em branco e o cursor do editor de textos pisca impaciente na 1ª coluna da 1ª linha.

Pressiono o "play" do CD Player e após alguns instantes o som do teclado do piano de uma famosa intérprete de Mozart irrompe em cadências hipnotizantes contrastando com as letras imóveis do teclado do meu computador. As notas musicais parecem flutuar e rebater nas paredes, uma após a outra, em fila indiana, projetando no espaço um emaranhado de rabiscos pós-modernos, como se os alto-falantes as arremessassem por pura diversão.

Logo o violino de um conhecido músico inicia firmemente a sua parte no belíssimo dueto. Mozart. Genialidade pura. Divina inspiração. O papel virtual do meu editor de textos continua em branco e o salva-telas, com seus polígonos multicoloridos, entra em cena apagando, aos poucos, a vã esperança de vida do imóvel cursor.

O piano e o violino conversam ao mesmo tempo em que ambos preparam o seu monólogo desafiador. As linhas coloridas do salva-telas debatem-se nos cantos do monitor, ricocheteando ao insólito compasso do piano, como se Mozart, ele mesmo, as regesse na harmonia da sua música.

O ataque do piano, em um belo "allegro con spirito", garante a alegria do conjunto. As linhas coloridas do salva-telas saltam do monitor e tomam vida ao meu redor. Fazem do meu quarto o seu mundo imaginário. Ao rebaterem nos cantos do quarto apagam a existência do entorno, como a borracha extingue o traço do lápis.

Quase que imediatamente o violino mostra-se com vigor e o piano descansa, mantendo a base harmônica. Mais e mais notas rebatem nas paredes, ao mesmo tempo em que os desenhos dos polígonos, na tela gigante do meu quarto, apagam a minha realidade. A resposta do piano não demora e estrategicamente evoca a grandiosidade de uma vista espetacular de uma montanha, cujo pico nevado se enrosca com as nuvens que passam.

Sem perder o fôlego o violino delineia a paz encantadora de uma campina acariciada, docemente, pelo vento primaveril. Maliciosamente os polígonos continuam a sua dança ensandecida e eu quase não percebo mais o que está a minha volta.

O piano, em resposta, faz alusão a vales verdejantes onde o rio do tempo corre placidamente, sem pressa, e as notas vicejam com os jacintos que residem próximos às margens.

O violino devolve o seu som, simulando festejos e danças exóticas. No meu quarto as notas esvoaçantes fazem par com os polígonos coloridos e todos rodopiam com acentuado zelo ao belo som materializado na caixa de ressonância do instrumento invisível.

O piano inicia a sua última resposta em deliciosa vingança. Então uma soberba praia mediterrânea toma forma com suas ondas quebrando em furioso poder e os pássaros mergulhando em seu afã diário. A linda melodia não se detém e o dueto, agora em fraterna harmonia, lamenta as suas derradeiras notas.

Quando dou por mim, o sol bate no meu rosto. A brisa marítima, com o seu perfume característico, enche os meus pulmões. A areia branca entremeia as pedras lavadas pelas ondas que me alcançam e os pequenos seres, que vivem na orla, apanham o seu alimento. As últimas notas do piano e do violino não mais dialogam, mas em um coro uníssono pacificam-se mutuamente e, juntas, homenageiam a vida em uma ode à perfeição.

Então eu caminho sossegado admirando a paisagem. A areia premida pelos meus pés, que imprimem colcheias e semicolcheias na pauta da eternidade, dissolve-se em contato com as ondas, um eco das últimas notas musicais do piano e do violino. Desligo o CD player.

A tela do monitor está quase escura pela insistente passagem das linhas multicoloridas.

O movimento do mouse traz de volta a tela branca.

Uma vez mais o teclado rege o cursor da imaginação.

Quando sentei não sabia como chamá-lo, mas com profunda reverência iniciei a digitar:


MOZART E EU."



Albino César Moraes da Rosa - Sócio Correspondente da AMLERS em Caxias do Sul, RS.